Sinopse:
"Memórias da infância em que eu morri" é um romance narrado em primeira pessoa pelo menino Hugo, de nove anos. Fã de esportes e da leitura de Fernando Pessoa, Hugo recebe o diagnóstico de uma doença grave, logo após ele, os pais e o irmão mais velho se mudarem para uma casa grande, num novo bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O diagnóstico não é bem recebido pelos pais, que passam a frequentar a Igreja com mais afinco e se apegam à religião durante o tratamento do menino. A mãe, principalmente, parece fechar-se em si mesma, isolando-se no quarto do segundo andar, trancada, o que deixa Hugo desnorteado, sem saber a quem recorrer para compreender melhor o que se passa consigo. Numa tentativa de comunicar-se com a mãe, para desabafar sobre seu sofrimento íntimo e tentar entender melhor o que se passa, Hugo começa a gravar fitas de áudio.
Minha opinião:
Esse é daquele tipo de livro que ao iniciar a leitura você não consegue largar o livro. Em sua obra Hugo Pascottini Pernet utiliza as páginas e as palavras para nos contar episódios de sua vida, misturando-a com o seu imaginário. Em certo ponto do livro o leitor não consegue desassociar o que é realidade e o que é ficção, afinal quem pode dizer o que realmente é real se não Hugo? Eu nunca havia lido um livro de Auto-ficção e confesso que esse tipo de narrativa me despertou um interesse enorme, tanto para conhecê-lo melhor quanto para escrever minhas próprias memórias.
Nessa obra Hugo utiliza o seu "eu" mais jovem para nos mostrar esses episódios. Hugo, personagem, é uma criança ativa que adora games, futebol e poesia, mas especificamente os textos de Fernando Pessoa e é um altivo conhecedor de seus pseudônimos. Ele possui uma família extremamente fiel a religião cristã, mas Hugo não vê motivo para essa tal devoção, pois não compreende muitas das tradições da religião.
"Os adultos são muito estranhos: acreditam no que inventam. Pior, invetam qualquer coisa em que precisam acreditar."
Para contar a sua história Hugo decide nos revelar alguns "Fragmentos do diário" na primeira parte do livro, nela vemos a mudança que a família de Hugo realiza para uma casa maior, em um bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Nessa mudança um acidente ocorre e Hugo acaba raspando as costelas na borda da piscina, o que ocasiona no surgimento de um caroço e é sobre esse caroço que a história gira. Esse simples caroço acaba transformando-se em uma doença mais perigosa, o que muda totalmente o ciclo familiar de Hugo. O pai torna-se mais presente na vida de Hugo, enquanto a mãe se fecha em si mesma em seu quarto, não tendo contato com o menino e nem com seu tratamento.
Sem entender essa mudança e o afastamento da mãe de sua vida, ele começa a gravar áudios em fitas cassetes para enviar para a sua mãe. Na segunda parte "Fragmento das fitas cassetes" vemos o dia-a-dia de Hugo convivendo com essa doença e com a ausência da mãe. Aqui também vemos como a sua vida mudou e os pensamentos que ele possui em relação a religião, ao mundo e a sua vida. Vemos mais do passado do personagem-autor, vemos suas memória e é aqui que eu como leitor comecei a me pegar tentando separar o que realmente aconteceu com o quê poderia vir a ser invenção, aí que está a graça do livro, eu e nem você leitor jamais saberemos o que de fato ocorreu.
"Desde aquele dia você me transformou num poema sem rima, sem ritmo, sem harmonia, sem estrofe, sem pontuação, abandonado, sem título que anuncie esse grande vazio arquivado na sua gaveta."
Na terceira parte do livro "Fragmento das gravações da mãe falando ao pai" conhecemos uma parte da história que seria impossível de conhecer através dos olhos de Hugo, uma parte ocultada da história. Aqui conhecemos o que de fato Hugo tem e o por quê do afastamento da mãe. Essa foi uma das partes que mais me tocou. Hugo trabalhou muito bem os temas abordados, que por sinal são bem pesados, não é todo mundo que consegue descrever a depressão da forma como ele em sua obra.
"Por que será que a gente, mesmo sabendo que não passa de mentira, um filme, sente de verdade?"
"É incrível como a ficção consegue nos colocar dentro de uma situação pela qual já passamos ou estamos vivendo."
Ao finalizar a leitura nos deparamos com a foto de um menino careca em uma banheira, e ai que percebemos que jamais saberemos o que é real ou não nesse livro.
Esse livro me prendeu de uma forma tão mágica que eu tentava ler o mínimo possível para evitar o seu eminente fim. Ao finalizá-lo eu já fui no perfil do autor para ver se a data de lançamento do próximo volume estava próxima. Eu recomendo muito essa leitura e espero ler mais coisas do autor.
"E deixaremos que, mais velho, o Hugo saberá dar um destino a tudo isso. Quem sabe ele queira escrever um livro, colocar mais uma narrativa no papel, contar tudo o que sofreu, desde a origem dos acontecimentos."
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